O que acontece na moda quando uma bolsa de plástico qualquer se transforma no item mais desejado do momento.
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Imagine que você está na semana de moda de Paris. Passeando entre as ruas da cidade-luz abarrotadas de fashionistas que correm de um lado para o outro em busca do próximo desfile, uma figura peculiar começa a se repetir. Trata-se de uma bolsa de plástico da Céline que, apesar do material, continua a preço de luxo (por volta de US$ 600). Além dela, outro modelo fora da caixinha pipoca entre os looks: a bolsa feita com uma espécie de rede — como essas em que carregamos frutas na feira de domingo, sabe?
Em comum, elas têm o fato de que não escondem o que está no seu interior. Por isso, há quem coloque uma outra it-bag — mais clássica, já consolidada no mercado e entre o circuito fashion como um distintivo de poder — dentro da bolsa translúcida. Quase como se a funcionalidade do acessório estivesse dividida entre as duas peças: uma serve para carregar objetos, a outra serve para ser mostrada.
Poderíamos parar por aqui, fazer uma lista de onde comprar a sua sacola de plástico ou sua redinha de feira hype e clicar no botão “publicar”. No entanto, há tendências que são apenas um devaneio do desejo de estar sempre se renovando e há tendências que, de alguma maneira meio obscura, meio dissimulada, resumem o que a moda é em dado período da história e, por consequência, falam sobre existir na contemporaneidade. A estas, vale a pena dedicar-se.
Assim, quando questionamos a razão dessas bolsas “banais” em versão deluxe estarem tão em alta, surgem questões ontológicas relacionadas à moda. Considerando que, para manter-se sempre desejável, ela precisa emprestar elementos de outros universos que extrapolam os limites do luxo tradicional, entra em cena o campo minado da apropriação cultural. Então, perguntamos: de onde vem essa glamourização do exato oposto do glamour? Esse que está intimamente ligado à roupa estritamente utilitária, do sportswear funcional, e claro, das anti-it-bags.
Um esboço de resposta para essa dúvida está na história de Demna Gvasalia. O estilista fundador da Vetements e atual diretor criativo da Balenciaga está fazendo um trabalho que segundo Robin Givhan — crítica de moda do The Washington Post premiada com um Pulitzer por suas análises — “não somente eleva as coisas ordinárias a um novo patamar — como fazia a Saint Laurent de Hedi Slimane –, mas faz com que a moda repense todo o seu sistema de valores”.
Como? Ao criar peças como a bolsa que começou com toda essa brincadeira: a versão de couro que a Balenciaga fez da sacola da IKEA — enquanto a interpretação de Gvasalia custava US$ 2145, a original (chamada FLAKTA) sai por apenas US$ 1. A proposta, percebam, é tão absurda quanto genial. Porque dependendo da maneira como ela é adaptada para o mundo real, uma nova interpretação aparece.
“Durante os meus quatro anos de faculdade na Antuérpia, na Bélgica, eu usei a FLAKTA todos os dias”, relembra em depoimento à revista conceitual Vestoj. “Muitos outros estudantes também faziam isso por causa do preço, da durabilidade e do tamanho dela.” Para garotos como ele — que viveram uma infância soviética e viram o mundo ocidental se abrir aos poucos para o seu país –, investidas como essa parecem ser uma homenagem a essa memória, como quem dá novo valor à história que percorreu.
Por outro lado, a anti-it-bag também para na mão de fashion victims que estão ali exclusivamente para repercutir o que esta nas passarelas, sem a preocupação de entender as propostas por trás das peças. Ou então, na ânsia de conquistar o visual da vez, fazem a linha “despretensiosa” ou “effortless”, se jogam nessas referências para que o seu fashionismo pareça menos ostensivo e, no fim das contas, menos deselegante. Aí, de repente, a ironia entra em jogo e a menina que jamais usaria uma sacola da IKEA está apaixonada pela bolsa azul da Balenciaga. Nesse momento, Gvasalia ri ou chora?
A verdade é que nunca saberemos (aliás, talvez nem o próprio estilista saiba). Fora do contexto do desfile, a roupa de Gvasalia toma mil novas formas, mil novos significados e, todos eles, incertos, ambíguos e por isso mesmo provocativos. De tudo isso, o que podemos atestar é que a anti-it-bag faz as vezes de caixa de Pandora deste momento da moda: revela numa explosão estonteante um infinito de possibilidades que estavam debaixo do nosso nariz, mas que ninguém tinha a coragem de encarar como algo além de uma “tendencinha”.