Para além do valor material, esses locais abrigam parte significativa da história do país e ajudam a relembrar momentos marcantes
CAMILA SANTOS

Duas semanas desde o início da guerra na Ucrânia, quando o presidente russo Vladimir Putin invadiu o país vizinho, o número de mortes ainda é incerto. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), pelo menos 516 civis foram mortos desde o início do conflito. Contudo, além da perda humana, as ofensivas têm destruído locais históricos do país e colocado uma série de construções em risco.
Prova disso foi o incêndio que atingiu o Historical and Local History Museum de Ivankiv (Museu Histórico e de História Local de Ivankiv) , no noroeste da capital Kiev. Soldados russos atearam fogo na instituição que abrigava 25 obras de Maria Prymachenko, artista do século 20, cujo trabalho encantou Pablo Picasso.
Para evitar um destino semelhante, outras instituições têm corrido para proteger seus acervos. Um deles é o Museu Nacional Andrey Sheptytsky, em Lviv, onde funcionários tentam guardar coleções e as portas têm permanecido fechadas desde o início da invasão. Trata-se do maior museu de arte da Ucrânia.
Fotos recentes também mostram que um monumento em homenagem ao fundador da cidade de Odessa, o Duque de Richelieu, foi encoberto por sacos de areia para protegê-lo de ataques russos. A estátua fica no topo da famosa Escadaria Potemkin, que ficou mundialmente conhecida por aparecer no filme Encouraçado Potemkin, de Sergei Eisenstein. Coberturas semelhantes também foram vistas em Lviv.

Ademais, há cerca de uma semana, por exemplo, as autoridades ucranianas pediram que a Rússia não destruísse a catedral de Santa Sofia, que fica na capital do país. Construído em 1037, o edifício é reconhecido como Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Aqui, nós falamos mais a respeito da catedral.

Além do edifício, a Ucrânia conta com mais seis patrimônios reconhecidos pela Unesco. São eles: o centro histórico de Lviv; o Arco Geodésico de Struve, um conjunto de triangulações geodésicas que tem o seu limite a sul em território ucraniano junto ao Mar Negro; as florestas primárias de Faia dos Cárpatos, junto à fronteira com a Eslováquia; a Residência dos Metropolitanos da Bucovina e Dalmácia, projeto do arquiteto tcheco Josef Hlávka; a Cidade Antiga de Quersoneso, colônia grega fundada há 2.500 anos; e as Tserkas de madeira dos Cárpatos, igrejas católicas e ortodoxas erguidas em madeira na Ucrânia e na Polônia entre os séculos 16 e 19.


Qual é a relevância dessas construções?

De acordo com Wesley Espinosa, professor de história do Centro de Educação e Teologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, esses lugares e outras áreas da Ucrânia fazem parte da memória do país e ultrapassam o valor material. “Esses locais servem para contar uma história. No caso dos monumentos, muitas vezes, eles contam sobre os vencedores e os vencidos, mas sempre reforçando a luta por reconhecimento, de certa forma. E esse reconhecimento é o lugar da memória, da lembrança”, diz. O professor reforça que a perda dessas áreas impede que as pessoas revivam e reconstituam um processo histórico, conheçam todos os personagens que fizeram parte dele e compreendam a influência dessas ações para a realidade atual.

Ele enfatiza ainda que, além do lugar da memória, as construções, bairros e patrimônios, de maneira geral, são lugares que expõe escolhas. “Você tem linhas arquitetônicas e padrões estéticos, que são selecionados a partir de um grupo, de políticas e ações do Estado, que consideram esses locais relevantes para o país. E, em meio à situação atual, tudo pode ser perdido.”

Já o historiador Álvaro Allegrette, professor da Pontifícia Universidade Católica, afirma que os danos que podem ser causados a esses lugares representam o desaparecimento de elementos importantes para toda a humanidade, não apenas para a Ucrânia, e ultrapassam questões materiais. “Ao destruírem essas referências, a população perde parte da identidade. É um processo de esvaziamento cultural para a nação que deixa de ter aquilo que a representa”, pontua.